terça-feira, 14 de julho de 2009

contos da naçonaria






A carroça




Certa manhã, meu pai convidou-me a dar um passeio. Em dada altura deteve-se e, depois de um pequeno silêncio, perguntou-me:
- Além do cantar dos pássaros nas árvores, ouves mais alguma coisa? Apurei os ouvidos durante mais alguns segundos e respondi:
- Sim, ouço uma carroça.
- Isso mesmo – disse o meu pai. É uma carroça vazia.
Perguntei-lhe:
- Como sabes que está vazia, se ainda não a vimos?
- Ora – respondeu-me. É muito fácil saber que uma carroça vai vazia por causa do barulho. Quanto mais vazia, mais barulho faz.
Tornei-me adulto e, até hoje, quando ouço uma pessoa a falar demais, a gritar, a intimidar, a tratar o próximo com grosseria, prepotente, a interromper as conversas de toda a gente e a querer demonstrar que é a dona da razão e da verdade absoluta, parece que ainda me ecoa nos ouvidos a voz do meu pai:
- Quanto mais a carroça está vazia, mais barulho faz.
E a sabedoria dessa voz, que o tempo não consegue esbater, junta-se ao conforto que sinto a partir do momento em que franqueei as colunas da nossa Augusta Ordem, por onde perpassam o silêncio sábio, a fraternidade, a tolerância no sentido da compreensão, a igualdade entre todos os Irmãos, a procura dos caminhos da verdade que antecipadamente sabemos não poder alcançar mas que porfiadamente perseguimos.

Conto simbólico por: Álvaro


a cor dos sonhos





O pequeno Nianzu vivia numa pequena aldeia que deuses e homens fizeram plantar num dos imensos vales que se aninham submissos nos sopés das montanhas dos Himalaias.
A necessidade de sobreviver e a perda precoce da família fizera-o percorrer o caminho pedregoso das montanhas para chegar ao mosteiro budista mais próximo, que o destino lhe fizera escolher como recurso na vontade. Os pequenos olhos escuros percorriam atentos todo o espaço à entrada do templo, como duas pequenas rodas dos desejos, que as faces rosadas faziam elevar como dois pequenos altares da descoberta do mundo. Naquele dia, ele era um entre outros que como ele, procuravam ingressar no templo que a vida fizera como a opção que à maioria seria negada, fosse na sorte ou na vocação.
Na sala onde se encontrava e fora conduzido por um jovem monge de cabeça rapada, haviam sido colocadas tintas de várias cores, pincéis e folhas de papel pardo, que o monge fizera distribuir cerimoniosamente no respeito antecipado e igual. Entre o silêncio que dava a mesma cor às palavras e aos pensamentos daquelas caritas de olhar brilhante, deu entrada na sala o lama, que a idade aparente procurava acompanhar na sabedoria que se lhe adivinhava na expressão e modos que ia dispensando a todos e a cada um dos presentes. Sentados e acomodados, convidou o lama que cada criança pintasse a folha de papel que lhe fora distribuída, com a cor que aquela achasse ser a dos sonhos. De imediato, cada criança tomou nas mãos uma folha de papel e o pincel, escolhendo entre as cores das tintas à disposição e pouco foi o tempo quanto demorou que diante delas repousassem folhas de papel de cores diversas como uma pequena roda multicolor em torno do velho lama que olhava atento cada uma das obras expostas diante dele.

Perguntando a cada criança o porquê de cada cor escolhida, entre tantas que faziam justiça fosse ao sol, ao céu ou à neve e às montanhas, não tardou que fosse chegada a vez do pequeno Nianzu justificar a sua escolha. Diante dele repousava uma folha onde várias eram as cores, entre as quais imprimira noutras tantas a sua mão.
- De que cor são dos teus sonhos ? Perguntou o sábio lama.
- São da cor das minhas mãos. Respondeu o pequeno Nianzu.
O velho lama, baixou-se diante dele e numa reverência simples tomou-lhe o pincel e na cor da vontade lhe ensinou a escrever aquele que lhe reconhecia no verdadeiro nome ancestral, “Zhiqiang” lembrando que “a vontade é forte” e que assim, os sonhos não são mais que a realização dos nossos desejos pelas mãos.




Conto Simbólico por: Sheikh



O Aprendiz




É aquele que aprende, e sempre em aprendizagem vai tirando as suas conclusões:
Aprendi.... que ninguém é perfeito
Aprendi....que a vida é dura mas eu sou mais que ela!!
Aprendi que...as oportunidades nunca se perdem, aquelas que desperdiças... alguém as aproveita
Aprendi que...quando te importas com rancores e amarguras a felicidade vai para outra parte.
Aprendi que...devemos sempre dar palavras boas...porque amanhã nunca se sabe as que temos que ouvir.
Aprendi que...um sorriso é uma maneira económica de melhorar o teu aspecto.
Aprendi que... não posso escolher como me sinto...mas posso sempre fazer alguma coisa.
Aprendi que...quando o teu filho recém-nascido segura o teu dedo na sua mão têm-te preso para toda a vida
Aprendi que...todos querem viver no cimo da montanha...mas toda a felicidade está durante a subida.
Aprendi que...temos que gozar da viagem e não apenas pensar na chegada.
Aprendi que...o melhor é dar conselhos só em duas circunstâncias...quando são pedidos e quando deles depende a vida.
Aprendi que...quanto menos tempo se desperdiça...mais coisas posso fazer.

Autor: Gonçalves Lêdo




A Pedra




O distraído nela tropeça.
O bruto usa-a como projéctil.
O empreendedor utiliza-a para construir.
O camponês, cansado da lida, dela faz assento.
Para os meninos, é brinquedo.
Com ela David matou Golias.
Miguel Ângelo dela extraiu a mais bela escultura.
Em todos esses casos, a diferença não está na pedra, mas no Homem.
Não existem pedras no caminho de um Maçon que ele não possa aproveitar para o seu próprio crescimento.

Elaborado por: Álvaro




As noites de Inverno são longas




Os anos já lhe pesavam nas pernas e o tempo húmido e frio não ajudava nada. Mas ele não era dos que desistem facilmente. Com passos vagarosos ia subindo a rua. Há muito que a noite tinha estendido o seu manto negro sobre a cidade. Não se via muita gente nas ruas. As molas de um velho autocarro chiavam com os solavancos do piso irregular. Dava para perceber que o motorista evitava os carris do eléctrico, pois aí o perigo de derrapagem aumentava ainda mais. Lá dentro, meia dúzia de passageiros olhava distraidamente para a rua.
Teve de parar um pouco para respirar. Havia contudo outro motivo para a sua paragem. Queria certificar-se de não estar a ser seguido. No passeio por onde subia a íngreme rua não se via ninguém a caminhar na mesma direcção. Ficou mais descansado. No entanto, mal pôde, dobrou uma esquina e depois de caminhar alguns metros, voltou a parar olhando discretamente para trás. Retomou a marcha, mas pelo sim pelo não, depois de voltar a mudar de rua repetiu a paragem.
À medida que caminhava, vinham-lhe à memória cenas que gostaria de nunca mais voltar a viver. Ele que criticava todas as ideologias radicais, ele que apenas queria que no seu país houvesse justiça, liberdade de expressão e menos pobreza, tinha sido expulso do ensino público só porque tinha sido um dos subscritores de um abaixo-assinado. Ao fazê-lo entrava para a lista negra dos “perigosos comunistas” e passava a ter de viver com os magros proventos das explicações que dava.
Pensou nos amigos que o esperavam. Um tinha sido desterrado para centenas de quilómetros da cidade alentejana onde tinha nascido e onde sempre tinha vivido e exercido a profissão. Só de lá tinha saído para estudar direito. Motivo: ter-se assumido como republicano num país que oficialmente continuava a ser uma república! Agora, reformado, sempre que podia vinha à capital para se encontrar com os amigos.
Apesar da idade, o médico ainda tinha de trabalhar. Não tendo direito a qualquer reforma, se não fosse dando as suas consultas não teria forma de se sustentar a ele e à mulher que a diabetes tinha cegado.
Quem lhe tinha feito mais confusão era o graduado da polícia. Fazia uma vida dupla. De dia fingia ser o mais fiel dos seguidores do ditador. De noite, reunia-se com os resistentes. De início receavam-no, mas depois de anos de convívio, tinham total confiança nele, até porque por mais de uma vez os tinha avisado da eminência de mais alguma vaga repressiva.
O velho marujo era o que mais vezes sentia o maravilhoso sabor da liberdade… a ditadura não conseguia proibir o vento de trazer o cheiro a maresia. Tinha andado num seminário, mas fartara-se e o chamamento do mar tinha sido irresistível. Já o tinham tentado apanhar com as artimanhas em que o regime era fértil, mas sem sucesso. A última tinha sido a de obrigar os seus homens a irem a uma manifestação favorável ao regime que se tinha sentido em perigo com a candidatura de um general sem medo. Habituado a lidar com as fúrias do oceano, lá se conseguiu escapar airosamente: teve de zarpar na véspera da manifestação “espontânea” devido a um aviso meteorológico…
Não bastando a mais do que evidente cumplicidade da alta hierarquia da Igreja nacional com o ditador, há muito que as ordens de Roma eram claras: nenhum crente podia pertencer a uma organização como aquela que os unia sob pena de excomunhão. Mas o padre João não se preocupava e dizia que respondia directamente perante o Criador. Só queria que o pesadelo em que o país estava mergulhado havia décadas acabasse. E ele bem sabia do que falava, pois passava a maior parte do tempo a tentar acudir aos mais necessitados. Mas era tão pouco o que tinha para lhes dar…
É verdade que naquele grupo predominavam os “doutores”, por isso os dois que pouco mais sabiam do que ler e escrever eram especialmente acarinhados. Um era motorista da Carris e o outro ferroviário. Homens calejados pela vida desejavam um futuro mais justo para os filhos e os netos.
Pensou no que iriam falar nessa noite. Havia muitos boatos, mas parecia certo que a polícia política tinha armado uma cilada ao General e que o teria assassinado. À hora combinada chegou a casa do amigo. Desta vez calhava-lhe a ele ser o último. Tinham de chegar um a um, discretamente. Subiu com esforço até ao primeiro andar. A cada degrau, as artroses dos joelhos causavam-lhe dores.
Pareceu-lhe que havia um silêncio mais pesado do que era habitual. Devia ser impressão sua. Como sempre, deu três discretas pancadas na velha porta. A voz que ouviu fez-lhe parar o sangue: «é só um momento».
Dez minutos depois aqueles homens bons e honrados que apenas queriam que o seu país vivesse em paz e que no mundo inteiro reinassem a liberdade, a igualdade e a fraternidade, lá iam a caminho de uma masmorra…


As três peneiras




Mais uma jornada na construção do Templo terminara. Cansado por mais este dia, Mestre Hiram recostou-se sob o frescor do Ébano para o tão merecido descanso. Eis que, subindo em sua direcção, aproxima-se o seu Mestre Construtor predilecto, que lhe diz:



"-Mestre Hiram...Vou lhe contar o que disseram do segundo Mestre construtor...
Hiram com a sua infinita sabedoria responde:
- Calma, meu Mestre predilecto, antes de me contares algo que possa ter relevância, já fizeste passar a informação pelas "Três peneiras da Sabedoria"?
- Peneiras da sabedoria? Não me foram mostradas, respondeu o predilecto!
- Sim... Meu Mestre! Só não te ensinei, porque não era chegado o momento;
Escuta-me com atenção: tudo quanto te disseram de outrém, passa antes pelas três peneiras da sabedoria. E na primeira, que é a Verdade, eu te pergunto:
-Tens certez a de que o que te contaram é realmente a verdade?
Meio sem jeito o Mestre respondeu:
- Bom, não tenho certeza realmente, só sei que me contaram...
Hiram continua:
-Então, se não tens a certeza, a informação vazou pelos furos da primeira peneira e repousa na segunda, que é a peneira da Bondade. E eu te pergunto:
-É alguma coisa que gostarias que dissessem de ti?
-De maneira alguma Mestre Hiram... Claro que não!
-Então a tua história acaba de passar pelos furos da segunda peneira e caiu nas cruzetas da terceira e última; Faço-te a derradeira pergunta:
- Achas mesmo necessário passar adiante essa história sobre teu Irmão e Companheiro?
-Realmente Mestre Hiram, pensando com a luz da razão, não há necessidade...
-Então ela acaba de vazar os furos da terceira peneira, perdendo-se na imensão da terra. Não sobrou nada para contar.

-Entendi poderoso Mestre Hiram. Doravante somente as boas palavras terão caminho em minha boca.
-És agora um Mestre completo. Volta a teu povo e constrói os teus templos, pois terminaste a tua aprendizagem.

Porém, lembra-te sempre: As abelhas, construtoras do Grande Arquitecto do Universo, nas imundíces dos charcos, buscam apenas flores para suas laboriosas obras, enquanto as nojentas moscas, buscam em corpos sadios as chagas e feridas para se manterem vivas."




A Criança




Quis nascer um dia novamente, esquecer o passado e ser criança na sua plenitude.
Nasci como quis, com as virtudes e pureza da criança mas com a sabedoria e o conhecimento para moldar o meu eu, sendo contido nos meus actos e sabendo guardar segredo sempre que saio de casa e quando estou em casa.
Sim pensar com arte, dentro da arte de pensar.
Haverá alguém que se compare a uma criança no seu estado de pureza, despida de preconceitos, de vaidades, que busca a verdade e partilha o seu conhecimento sem limites, bem como a cumplicidade com quem se identifica, sempre com o sentido da responsabilidade?
Certamente, que sim.
Como toda a criança aprendi a ganhar firmeza nos meus passos, viver o presente, com o olhar no futuro, resguardando-me dos estranhos, embora os trate com respeito.
Sou uma criança que ignoro a vaidade e a arrogância mas defendo a verdade, o saber e a justiça.
Quero crescer e ser forte para ajudar os Homens a encontrarem a criança que existe dentro deles.
Como toda a criança ainda que me aliciem guardarei sempre o segredo que me foi confiado, pois, saberei sempre estar no meio sem me imiscuir com o meio, como aprendi no exercício da arte de pensar, enquanto corria livremente pelos campos e prados, tentando tocar a linha do horizonte, sem nunca desistir.


Bem Haja


Autor: Salomão





Sons do Silêncio




Certo dia um rei mandou o seu filho estudar no templo de um grande mestre, com o objectivo de prepará-lo para ser uma grande pessoa.
Quando o príncipe chegou ao templo, o mestre mandou-o sozinho para uma floresta. Ele deveria voltar um ano depois, com a tarefa de descrever todos os sons da floresta. Quando o príncipe voltou ao templo, após um ano, o mestre pediu-lhe que descreve-se todos os sons que conseguira ouvir.
O príncipe disse: - Mestre, pude ouvir o canto dos pássaros, o barulho das folhas, o alvoroço dos beija-flores, a brisa batendo na floresta, o zumbido das abelhas, o barulho do vento cortando os céus...
Quando terminou o seu relato, o mestre pediu ao o príncipe que volta-se à floresta, para ouvir tudo o mais que fosse possível.
Apesar de intrigado, o príncipe obedeceu à ordem do mestre, pensando: "Não entendo, eu já distingui todos os sons da floresta..."
Por dias e noites, ficou sozinho, ouvindo, ouvindo, ouvindo...mas, não conseguiu distinguir nada de novo, além daquilo que havia dito ao mestre.
Porém, certa manhã, começou a distinguir sons vagos, diferentes de tudo o que ouvira antes. E quanto mais atenção prestava, mais claros os sons se tornavam. Uma sensação de encantamento tomou conta do rapaz. Pensou: "Esses devem ser os sons que o mestre queria que eu ouvisse..."
Sem pressa, ficou ali, ouvindo, ouvindo, pacientemente. Queria ter a certeza de que estava no caminho certo.
Quando voltou ao templo, o mestre perguntou-lhe que mais conseguira ouvir.
Paciente e respeitosamente, o príncipe disse: - Mestre, quando prestei atenção, pude ouvir o inaudível som das flores se abrindo, o som do sol nascendo e aquecendo a terra, o som da floresta a beber o orvalho da noite...
O mestre sorrindo, acenou com a cabeça, em sinal de aprovação, e disse: - Ouvir o inaudível é ter a calma necessária para se tornar uma grande pessoa.

Nesta fábula, fica como moral da história, que apenas quando se aprende a ouvir o coração das pessoas, os seus sentimentos mudos, os seus medos não confessados e as suas queixas silenciosas, uma pessoa pode inspirar confiança ao seu redor, entender o que está errado e atender às reais necessidades de cada um.
A morte do espírito começa quando as pessoas ouvem, apenas, as palavras pronunciadas pela boca, sem atentarem no que vai no interior das pessoas para ouvir os seus sentimentos, desejos e opiniões reais.
É preciso, portanto, ouvir o lado inaudível das coisas, o lado não mensurado, mas, que tem o seu valor, pois é o lado mais importante do ser humano.













Autor: Júlio Verne


Na escada




A entrada do prédio era escura. Dia e noite tinha uma lâmpada acesa que lutava ingloriamente contra a escuridão. De dia mal se via se estava ou não acesa devido à luz que vinha da rua. Durante a noite o seu papel poderia ser mais eficaz, mas não era. Atravessava-se a estreita e longa passagem mais por a conhecer do que por aí se ver fosse o que fosse.

Tinha uns dezasseis anos e vinha de assistir a uma corrida de ciclismo. Tinha levado a chave de casa da avó, o que o fazia sentir que já era um homem!
Passava da meia-noite quando chegou à entrada do prédio. Como sempre, a porta estava apenas encostada. Foi percorrendo com cuidado o escuro corredor de entrada. Por fim a escada que deveria subir e que a luz da cidade iluminava vagamente através da suja clarabóia lá bem no alto do edifício. Adivinhava-se, mais do que se via.
Ao virar a esquina e colocar o pé no primeiro degrau, ouviu uma voz lamentosa de mulher. Estava deitada nos degraus e ergueu-se um pouco com a sua chegada. Parecia estar enrolada num cobertor. As únicas palavras que proferiu eram uma súplica: «oh meu senhor, deixe-me ficar aqui». Não sabia como responder. Nunca teve facilidade em responder de repente a coisa alguma. Para mais sentiu uma emoção desconhecida embargar-lhe as palavras. Por fim conseguiu articular: «fique descansada». Confuso e atormentado, subiu as escadas escuras.

Quando entrou já todos dormiam. Também ele foi para a cama, mas demorou muito até que o sono lhe chegasse. Revia a mulher deitada na escada, tentava imaginar os motivos que a levariam a estar ali, sem ter o seu próprio tecto e as dores que os degraus lhe causariam no corpo. Como seria possível dormir em tais condições? Pensou que, se fosse dono da casa, lhe arranjaria uma cama. Mas não era e não convinha acordar a avó que se levantava antes das seis.

A sua imagem do mundo começava a sofrer rombos. Até então acreditava estar no melhor dos países, no melhor dos regimes, com o mais sábio dos governantes que nos tinha livrado dos horrores da II Grande Guerra, onde tudo estava bem e ia ficando cada vez melhor apesar dos terroristas lá na Guiné, Angola e Moçambique.
Também lhe tinham ensinado que nem um só cabelo cai da cabeça das pessoas sem que Deus o saiba. Melhor ainda, cada um de nós tinha o seu anjo da guarda. Afinal havia quem tivesse de dormir numa escada... Onde estavam os anjos? Os do céu e o da terra?

Autor: Carl Sagan




Terça-feira, 29 de Maio de 2007



Fábula do Camelo




A propósito das questões sobre o Conhecimento, que tão oportuna e judiciosamente aqui têm sido trazidas por alguns Irmãos, gostaria de reforçar a pertinência das mesmas, sobretudo no que concerne ao posicionamento dos Maçons, quer no seio da nossa Ordem Universal, quer enquanto agentes activos e actuantes no mundo profano.

É neste contexto que La Fontaine, se ainda estivesse vivo, poderia ter escrito aquilo a que chamo de “Fábula do Camelo”.

Com efeito, a mãe e o bebé camelo descansavam, quando, de repente, o bebé acomete:
- Mãe, mãe, posso fazer-te umas perguntas?
- Com certeza! Mas porquê, filho? Há alguma coisa que te preocupe?
- Não, mas por que é que os camelos têm bossas?
- Bem, filho, nós somos animais do deserto, precisamos de bossas para armazenar água. Somos conhecidos por sobrevivermos sem água.
- Okay. Então por que é que temos pernas compridas e pés arredondados?
- Filho: são apropriados para caminhar no deserto. Sabes, assim podemos deslocar-nos naquele meio melhor do que qualquer outro.
- Okay. Então por que é que temos pestanas tão compridas? Às vezes até me perturbam a visão!
- Filho: estas pestanas servem-nos de protecção. Ajudam a proteger os nossos olhos da areia e dos ventos do deserto.
- Não compreendo. Se as bossas servem para armazenar água quando estamos no deserto; se as pernas servem para caminharmos na areia; se as pestanas protegem os olhos das tempestades de areia… então que raio estamos nós a fazer aqui no jardim zoológico?

Se isto fosse uma história, poderia terminar aqui. Mas, como é uma fábula, termina com a moral da história: aptidões, saber, capacidade e experiência só têm utilidade se estivermos no lugar certo.

E pronto. É desta forma que pretendo exprimir a minha congratulação e o meu regozijo pelas pranchas que alguns Irmãos têm apresentado. Ao demonstrarem as suas aptidões para o desbastar da pedra bruta, ao evidenciarem o seu saber em questões que são do interesse comum, ao transmitirem a sua capacidade para o cabal desempenho das funções que estão cometidos, ao legarem a sua experiência como forma solidária de partilha e ao fazerem tudo isto entre nós e nos espaços que partilhamos, fazem-nos sentir que estamos, de facto, por opção e sem transigência, no lugar certo para a prossecução de um trabalho que nos conduz a mais elevados patamares de Conhecimento, quer em termos absolutos quer de nós próprios – afinal um dos primeiros e últimos objectos da Maçonaria.

É, aliás, a predisposição para trilhar com firmeza o caminho do Conhecimento, um dos maiores desafios que se colocam ao iniciado, até porque se trata de um combate sem tréguas contra o obscurantismo que pauta, ainda hoje, muitos dos actos que regem a sociedade em que vivemos e que conduzem, eles também, às mais diversas formas de fundamentalismos.

Por outro lado, o Conhecimento é o melhor conselheiro para que o recipiendário das luzes maçónicas enverede também pela senda da prudência que deve marcar as suas acções e os seus pensamentos, não se deixando conduzir pela irracionalidade dos ímpetos nem por juízos precipitados.

Perdoem-me, pois, se me socorri de camelos para falar do Conhecimento. É que são eles os principais habitantes dos desertos, onde cada grão de areia se junta aos outros em perfeita justaposição, todos semelhantes como irmãos que se unem num imenso espelho que reverbera a luz do Sol nascido no Oriente. E todos tão semelhantes como os bagos das romãs, que derramam a fraternidade à entrada dos templos onde o Conhecimento constitui o elo que liga os homens livres e de bons costumes por toda a face do universo. No lugar cert




areia e a pedra





Diz uma lenda árabe que, quando dois amigos viajavam pelo deserto, num determinado ponto da viagem discutiram acaloradamente, até que um esbofeteou o outro.
O ofendido, sem pronunciar palavra, escreveu na areia: “Hoje, o meu melhor amigo bateu-me no rosto.”

Seguindo viagem, chegaram a um oásis, onde resolveram banhar-se. Imprevidente, o que havia sido esbofeteado quase se afogava, quando foi salvo pelo amigo.
Ao recuperar, pegou num estilete e escreveu numa pedra: “Hoje, o meu melhor amigo salvou-me a vida.”
Intrigado, o amigo perguntou: “Por que é que depois de te bater escreveste na areia e agora escreves na pedra?
Sorrindo, o companheiro de viagem respondeu: “Quando um grande amigo nos ofende, devemos escrever na areia, para que o vento do esquecimento e do perdão se encarreguem de apagar. Porém, quando nos faz algo de sublime, devemos gravar na pedra, que é a memória do coração, onde nenhum vento chega para apagar a gravação.


É evidente a analogia entre esta lenda e aquele que configura ser o comportamento de um maçom. A agressão é algo de profano, que deve ficar registado na areia, isto é, que deve ser deixado à porta do Templo. Ao contrário, os valores da harmonia, da paz, da beleza, da fraternidade e da solidariedade são cultivados e multiplicados, de dentro para fora. De dentro do Templo para a sociedade que nos rodeia. De dentro de nós para os nossos familiares, para os nossos amigos, para os nossos conhecidos e até para os nossos adversários. Devem, em suma, ser gravados na pedra, para que nada os apague e para que ninguém os esqueça. Trata-se, no fundo, de utilizar convenientemente os instrumentos que ajudam a desbastar a pedra bruta, procurando dar-lhe a forma da perfeição.

Em síntese, o verdadeiro maçom “escreve na areia” tudo quanto seja de irrelevante e de profano. Porque a areia está no exterior do Templo e porque é também no exterior do Templo que sopra o vento – inexistente no interior, uma vez que nem é ele que apaga as velas, símbolos das luzes que orientam os trabalhos.

Ao contrário, o verdadeiro maçom “escreve na pedra” tudo quanto contribua para o seu aperfeiçoamento e para o aperfeiçoamento da irmandade em que se insere. Porque, ao “escrever na pedra” estará, também e assim, a trabalhar a pedra bruta e a contribuir, lenta mas seguramente, para a polir, até que a mesma tenha a perfeição suficiente para fazer parte integrante e indissociável do Templo Supremo da Maçonaria Universal.



Autor: Álvaro






Um conto de Natal




Pegadas na neve

O céu cinzento cor de chumbo tomara a cor branca como se fosse o tecto de uma sala imensa do tamanho do horizonte, toda atapetada com um espesso manto de neve alva onde enquanto caminhava em passos lentos e firmes, uma figura encolhida do frio imprimia os passos que dava.

Dirigiu-se à janela da primeira das muitas casas que ladeavam a avenida, onde luzes trémulas de Natal enfeitavam as árvores que dançavam ao som do vento, que lhes arremessava pequenos flocos brancos, saturando-lhes as pernadas que sacudia em golpes de tempestade.
Espreitou pela vidraça. Um sorriso ondulou-lhe os lábios confundindo-os com os longos cabelos brancos que se fundiam na barba da mesma cor. Lá dentro uma criança brincava junto à lareira, iluminada por esta, a que se juntavam os olhares dos pais como que a acariciá-la.

Aquecido na alma com aquele quadro familiar, seguiu adiante onde através de uma janela pequena, uma luz ténue fazia-se sentir num apelo que atravessava a vidraça embaciada. Uma figura pequena e dobrada pela idade aconchegava-se envolta por um xaile de lã que denunciava os anos de uso, mal cobrindo o magro corpo que se aninhava junto ao braseiro. Este solidário, aquecia a cafeteira de café, que lhe servia de consolo e de companhia. Os olhos daquele homem, que antes sorriam, agora juntavam-se tristes à solidão. As mãos dedilhavam os botões que lhe fixavam o manto do corpo, que agora retirava e colocava na maçaneta da porta daquela casa, onde batera antes de se afastar.

Continuou o caminho, no mesmo silêncio dos que caminham sós, até que um barulho de vozes lhe interrompeu o pensamento. Dirigiu-se aonde vinham as vozes, que mais perto, denunciavam uma discussão. Um casal sentado à mesa, mantinha os pratos vazios apesar da mesa farta, anunciando que era a alma a quem faltava o alimento que o desentendimento recusava. Ao lado da janela por onde assistia, num pequeno jardim resistiam as últimas rosas onde gotas de orvalho se transformaram em pequenos diamantes que o frio fabricara. Rapidamente colheu duas delas, deixando-as junto da porta do casal com dois pequenos bilhetes de papel que escrevera de improviso na soleira da porta. Tocou a sineta e regressou apressado ao caminho, enquanto as vozes se calaram na surpresa do toque.

De volta ao silêncio da caminhada, continuou lento, olhando para uma janela, esta um pouco mais iluminada que as restantes. Espreitou furtivo para o candelabro que iluminava intensamente um pequeno oratório, onde uma mãe ajoelhada erguia as mãos, como se buscasse a toalha de linho invisível que lhe enxugasse as lágrimas que lhe corriam pelas faces. Adiante, sentado estava um pai de cabeça tombada que encostava às mãos, que tomara nas suas, de um filho enfermo e febril. Cá fora a expressão do rosto daquele homem fazia coro com as daqueles pais que observava, enquanto colocava as palmas das mãos abertas sobre as vidraças, como se projectasse a bênção que a sorte desconhecera até então e que o sorriso inesperado da criança anunciava agora discreto.

A volta ao trilho por onde viera fez-se serena, como mansa era a neve que cobria tudo por onde passara e seguia agora. Um choro baixo mostrava-se discreto, escutado talvez, apenas por aqueles ouvidos treinados pela experiência de ouvir os que clamam em silêncio. Assomou à janela que só ouvindo se apercebia da pouca luz que as vidraças teimavam em deixar ver. Dois rostos ladeavam uma mesa vazia onde uma jarra de flores tomava digna, o lugar que a refeição não ocupava, deixando espaço a dois pares de mãos que pousavam solidárias sobre a toalha branca como a neve. As vestes eram simples e os remendos gritavam mudos de orgulho os cuidados que recebiam apesar do uso, agora menos intenso na actividade, provavelmente por falta de trabalho que atormentava quem aquelas vestiam. Apressado, o homem retirou dos bolsos um embrulho enrugado, onde guardava a refeição seguinte que contava como sua e que o corpo agora recusava. Juntou-lhe algumas moedas que recebera como pedreiro livre e pedinte e deixou no parapeito da janela onde batera no momento de se afastar.

Continuou a caminhar, agora dirigindo-se a um vulto que o acaso lhe fizera encontrar, encolhido na soleira de uma porta, por onde o calor se deixava escapar sorrateiro sob a porta pesada duma casa igualmente imponente e aquecida, reforçando o calor que pedaços de cartão a custo asseguravam delicadamente, como se embalassem o mais frágil dos seres. Com o cuidado de não acordar o homem que dormia quase inconsciente no frio, tirou-lhe as roupas velhas e o calçado roto que rápida e furtivamente trocou pelas suas, como se na troca ganhasse o melhor dos tesouros.

Voltou ao caminho que tomara antes, apoiado num bordão feito de madeira de acácia, perseguindo os passos que agora eram mais leves enquanto a iluminação de Natal se inclinava diante do brilho que levava nos olhos e o sorriso dos lábios calava o silêncio na noite e as mãos abertas acalmavam o vento e o frio. Olhava para si mesmo, feliz com os braços abertos de contentamento que a parca indumentária que agora tinha tomava lugar em vez das vestes vermelhas que usara como uniforme na noite de Natal. Não ia de trenó nem eram as renas que o transportavam. Era felicidade o que sentia enquanto a dava também aos outros. Era isso que o fazia sentir-se o verdadeiro Pai Natal em gestos e sinais que só ele entendia.

Autor: Sheikh








Nenhum comentário:

Postar um comentário

Marcadores

seguir esse blog

Arquivo do blog

maçonaria

maçonaria
em busca de conhecimento

ENTREM E CONHEÇAM OS SEGREDOS

SEJAM BEM VINDOS AMIGOS